AS GUIAS NO RITUAL DA UMBANDA E DO CANDOMBLÉ
Segurança e Proteção para os adeptos

Bastante popularizadas hoje em dia, as guias – colares geralmente feito com miçangas, sementes ou contas – possuem importantes funções tanto na umbanda como no candomblé. A elas é atribuída proteção contra más vibrações destinadas a seu portador – às vezes tão fortes que chegam a arrebentar os colares. De uso estritamente pessoal, as guias habitualmente mostram, com suas cores, os orixás de cada seguidor, que devem ser homenageados por ocasião do cerimonial de confirmação (cruzamento) do objeto.

Em todos os terreiros de umbanda e candomblé, vemos que os iniciados usam no pescoço colares de miçangas, contas ou sementes que são por eles chamados de guias, contas ou simplesmente fios.

A guia é a representação do orixá, e a sua própria presença. Serve como proteção e segurança, arrebentando às vezes, quando algum mal é mandado ou desejado (por exemplo: olho grande) a quem usa. Se isso ocorre, a pessoa deve novamente enfia-la e entrega-la ao pai ou mãe de santo para que seja recruzada. Ela não é só usada por iniciados da umbanda ou do candomblé, mas também, com frequência, por pessoas que simplesmente acreditam na seita; nesses casos, as guias geralmente são dadas pelos chefes de terreiros ou, às vezes, na umbanda, designados por um orixá. Além de segurança individual, servem as guias para proteção de objetos: no Rio, é mesmo comum vê-las presas e retrovisores de carro. Entretanto, só tem valor pessoal, não se devendo empresta-las, pois, preparadas para o santo de determinada pessoa, mesmo que usadas por alguém da mesma entidade, pode ocorrer que o orixá não seja exatamente igual.

Geralmente, as guias são feitas de miçangas, contas de vidro, louça ou massa nas cores correspondentes a cada orixá, havendo-as também de sementes, como as constituídas de lágrimas de nossa senhora (usadas por pretos velhos na umbanda) e de tentos de Exú, grãos vermelhos de extremidade preta, utilizados em alguns terreiros e de finalidade obvia. Alem disso, fazem-se guias de dentes, palha da Costa, couro e caramujo, notando-se que a primeira e as duas ultimas são de uso quase exclusivos dos terreiros umbandistas.

As contas de vidro, louça ou massa são usadas indiferentemente, podendo-se empregar qualquer desses materiais para o mesmo orixá. Os únicos casos em que não pode haver variação indiscriminada na natureza das contas dizem respeito a Oxalá e a Yemanjá. No primeiro como a guia sempre branco-leitosa, tem de ser feita com miçanga ou conta de louça ou massa por não existir, em vidro, a cor necessária; em relação a Yemanjá, ocorre exatamente o oposto: a conta de vidro é indispensável em razão da transparência.

Em geral, os terreiros de umbanda aceitam que as guias sejam compradas nas lojas ou que se adquiram as contas para enfia-las em casa, sem qualquer preceito. Suas guias são de um só fio, curtas, feitas de miçangas, contas de vidro, louça ou massa, além de outros materiais que indicamos acima. No candomblé, entretanto, a maioria dos terreiros, não aceita que as guias sejam compradas prontas, exigindo ritual para sua feitura. Um iniciado enfia a guia, sempre de mais de um fio (geralmente 3, 5, 7, 14, 21), arrematando-a com uma firma (conta maior do que as outras e de feitio diversificado) da cor do orixá correspondente. Os fios devem ficar soltos e, no ato de fecha-la, é rezado o engoróssi (cantiga) do orixá. Após essa reza, a guia é levada para o ronco, onde então é cruzada. Ao contrario do que ocorre na umbanda, as guias de candomblé são geralmente compridas, podendo ser usadas penduradas no pescoço ou atravessadas no peito.

AS CERIMONIAS DE CRUZAMENTO

Na umbanda, as guias são cruzadas no amaci, um quinado, uma (maceração) de ervas e rosas que, em certos terreiros, pode também conter bebidas de orixás; entretanto, em outros terreiros, elas são simplesmente lavadas na cachoeira. Já no candomblé, o cruzamento exige que sejam lavadas com água de Oxalá e abo (preparado com água das quartinhas, ervas, e sangue de animais sacrificados). Quando o ritual inclui sacrifícios, faz-se às vezes o cruzamento no sangue do bicho correspondente ao orixá da guia, quer seja aquele de penas ou de quatro pés, sendo que, na primeira hipótese, caso assim solicite a entidade, amarra-se ao colar um penacho do animal oferecido.

O cruzamento – preparação e reforço da guia – tem também a finalidade de purificar o material que passou de mão em mão antes de ser utilizado no rito.

Hoje em dia encontram-se também guias que já indicam contribuições individuais a que não se atribui nem fundamento de nação, nem ensinamento de orixás. Estão nesse caso às guias enroladas, trançadas ou em gomos e que se caracterizam por uma firma ou uma carreira de contas grandes e 3, 5, 7, 14, 21 fios de miçangas intercalados até o fechamento, geralmente feitos nesses casos com uma firma maior ou mesmo duas firmas. Nessa mesma categoria podem ser incluídas as guias totalmente de búzios.

Por outro lado, existe a venda guias de plástico, que a maioria dos terreiros condena sobre o argumento de que ao se originarem os cultos afro-brasileiros não existia este tipo de material. Poder-se-ia argumentar que também se desconheciam as contas e miçangas de vidro, louça ou massa; entretanto, convém ressaltar, eram fartamente conhecidos os seus similares: o próprio vidro e o barro, de ampla utilização outrora. A fileira é sempre de linha ou de nylon devendo-se a adoção deste ultimo apenas a sua maior resistência. Fecha-se a guia com sete nós cortando-se a sobra do fio, se ele é de nylon, é comum queimar as pontas com cigarro, a fim de o ultimo nó não correr. Não se deve usar a guia em ocasiões de “corpo sujo”, expressão de duplo significado. O primeiro, adotado pelos terreiros que não aceitam sacrifícios de animais e mesmo por alguns candomblés, diz respeito à menstruação da mulher (Bagé); o segundo, adotado por todos os terreiros que aceitam a matança, considera “corpo sujo” sempre que tenha havido relação sexual recente. A base para o não uso da guia na ausência de limpeza de corpo está em que, pertencendo ela ao orixá, não deveria “sujar-se” com as coisas materiais. Entretanto, alguns chefes de terreiro recusam que a menstruação constitua impedimento, em que vista de ser um ciclo natural, enquanto que o ato sexual pode ser livremente evitado. De qualquer modo, para usar novamente a guia, o crente deverá tomar um banho de descarga (preparado com ervas). As guias podem ser usadas até diariamente, se a pessoa assim o quiser. São sempre, porém, utilizadas nas giras, quando iniciados costumam exibir todas as que possuem, executando-se as sessões de Exú e as de crianças, quando se usam apenas as que correspondem a essas entidades. Há, por o que outro lado, terreiros que normalmente só usam a guia do orixá a que é dedicada a gira, reservando-se para os dias de determinadas festas ou obrigações o uso de todas elas. Da mesma forma, em alguns outros, a guia de Exú costuma ser enrolada no braço sob o argumento de que, sendo ele um espírito atrasado, sem luz, seu cordão não deve passar pela coroa (alto da cabeça) que pertence ao santo, principalmente quando este é Oxalá, o orixá maior.

UM INSTRUMENTO DE USO CONSTANTE

As guias não indicam graus religiosos, nem distinguem hierarquia. Há, entretanto, uma escala, pois à medida que o crente executa obrigações vai recebendo guias – o que não se pode, aliás, generalizar, em vista da multiplicidade de linhas e nações e a decorrente variação de praticas ritual entre diversos terreiros.

Se a pessoa transferir-se de um terreiro para outro, suas guias permanecem aceitas, desde que ela se tenha mantido na mesma linha ou nação. Mas se, por exemplo, a mudança for de umbanda branca para candomblé, a guia terá de ser modificada e recruzada, pois além de, como já vimos, não ser igual o formato (curto em um caso e longo no outro), existe a diferença básica relativa à condenação do sacrifício animal, no primeiro caso, e à sua plena aceitação, no segundo. Por outro lado, a mudança de nação pode implicar a alteração da cor da guia em relação ao mesmo santo, sem contar que orixás existentes em uma nação podem não ser cultuados em outra. É o que ocorre, aliás, com Logum-Edé, presente no Keto e desconhecido em Angola, onde, porém, encontramos seu correspondente em Congobila.

Na umbanda branca, normalmente, todo iniciado usa a guia de Oxalá como proteção na vida diária e defesa das cargas nos trabalhos e na vida diária. As outras guias vão sendo recebidas paulatinamente à medida que ocorrem obrigações ou haja indicação do santo. Já no candomblé, o iniciado só usa guia depois que se torna iaô, isto é, a pessoa que raspou para um santo, quando então usa a guia do santo para que foi raspado, além da de Oxalá e das outras que lhe são indicadas pelo pai ou mãe de santo, na base do resultado do jogo dos búzios.

Por falar nesse jogo, convém lembrar que há os que o executam pondo em volta da toalha algumas guias para obter maior vibração e alcançar maior segurança. Nesse caso, as guias substituem o colar de Ifá, que é feito de palha da Costa trançada tendo incrustados búzios envoltos por miçangas correspondentes aos Orixás, Erês e Exús.

AS CORES E SEUS VÁRIOS SIGNIFICADOS

As cores dos orixás variam da umbanda para o candomblé, e dentro destes variam também de nação para nação. Como é impraticável fazer um levantamento de todas elas, tentaremos dar aqui a explicação e o fundamento das cores mais comumente usadas, em relação aos respectivos orixás.

EXÚ – tanto na umbanda como no candomblé são usados o preto e o vermelho. Porque ele é um espírito pouco evoluído, que não tem luz e vive nas trevas, há o preto; o vermelho é por ser muito atrasado e por isso gostar de briga e, decorrentemente, de sangue. Encontramos em alguns terreiros, ligados ao preto e vermelho, o amarelo, normalmente para Pombo-Gira (Exú fêmea), representando o fogo, pois Exú e Pombo-Gira são muito relacionados com o diabo.

Ogum– Encontramos várias cores representando este orixá. Em algumas umbandas, temos verde, vermelho e branco – o verde lembrando os campos e as matas que ele percorre com seu cavalo, o vermelho recordando o sangue derramado nas guerras, e como Ogum é um orixá guerreiro, também cavaleiro de Oxalá, sentinela e guardião, daí o branco. Também existem umbandas que usam simplesmente guias vermelhas para Ogum, lembrando exatamente as guerras e o sangue derramado. Há, além disso, a guia de aço, usada em quase todas as umbandas, lembrando a armadura de Ogum. No candomblé, a cor mais usada para representar este orixá é o azul marinho, porque tanto o ferro em brasa tem um sombreado azul marinho quanto sua armadura, que no sol parece prata, mas na realidade é azul clara. Juntando o cinza da armadura com sua cor azul clara, chega-se ao azul marinho.

OXÓSSI – tanto na umbanda quanto nos candomblés é normalmente usada a cor verde-escura representando as matas onde ele reina, e onde vivem os caboclos e os índios – para a umbanda, Oxóssi é representado pela falange dos espíritos de índios e caboclos que já desencarnaram. Também representa a esperança de cura pelas ervas. Encontramos também guias de dentes que eram feitas pelos africanos e ficarem representando Oxóssi, até hoje. Existe um Oxossi do sertão, conhecido como boiadeiro, que tem na umbanda uma guia especifica feito de couro trançado, lembrando seu chapéu e seu chicote.

BOIADEIRO – guia de couro trançado, lembrando o chapéu de couro e o chicote. É um tipo de caboclo que mora no sertão.

XANGÔ – na umbanda, marrom porque ele é um orixá velho que quando andava na terra só se vestia de marrom, e também por causa do seu sincretismo com São Francisco de Assis, fundador da Ordem dos Franciscanos, que usam hábito marrom. Às vezes se trança com o branco, lembrando que ele é um orixá grande, quase logo abaixo de Oxalá. O vermelho e branco vêm representa-lo na maioria dos candomblés; o branco, pela mesma razão explicada acima, e o vermelho, porque ele é o rei dos trovões e governa, junto com sua mulher Iansã, os raios.

YEMANJÁ – usadas, tanto pela umbanda como pelo candomblé, as contas transparentes, porque no fundo do mar tudo PE branco, cristalino e a própria água é cristalina. Dar-se também o verde-mar lembrando as plantas marinhas que são de uma tonalidade verde-clara, como muitas outras coisas encontradas no fundo do mar. Verificamos também, que alguns terreiros, uma guia é feita toda de caramujos, que, como sabemos, têm algumas espécies marítimas.

OXUM – como é o orixá dos rios, e neles encontramos o ouro, na nação é dado o amarelo-ouro para esta santa. Já na umbanda, vemos novamente a influencia de sincretismo, na cor azul-clara, lembrando o manto de Nossa Senhora, com quem o orixá é relacionado. Recorda, também, toda a pureza, inocência e bondade relacionadas a Oxum.

IANSÃ – a umbanda lhe consagra geralmente o amarelo, lembrando o fogo e os raios dos quais ela é o orixá que governa. No candomblé, vemos muitas vezes o vermelho, porque Iansã foi à única santa que foi a guerra e esta cor lembra o sangue derramado.

IBEJI – na umbanda, representada pela falange de Cosme e Damião, isto é, as crianças, vemos guias azul-claras e rosa ou simplesmente rosa por causa dos anjos de Nossa Senhora. No candomblé são os Erês, e encontramos em alguns uma guia de todas as cores para representá-los.

PRETOS VELHOS – são considerados orixás somente pelos umbandistas, pois a nação os considera como eguns (almas desencarnadas) – e, decorrente disto, só tem guia na umbanda. Podem usar o preto e o branco – a primeira cor porque, quando se morre fica-se nas trevas e só com o decorrer do tempo e com as preces as almas passam a ter luz e o branco por serem almas e todo o espírito ser representado pelo branco. Essas cores também são usadas porque, sendo os pretos velhos, almas de escravos, lembram que eles só podiam andar de branco ou de xadrez preto e branco, em sua maioria. Temos também a guia de lágrima-de-nossa-senhora, semente cinza com uma palha dentro facilmente retirada para se poder enfia-la em forma de guia. Essa guia vem dos tempos do cativeiro, porque era o material mais fácil de os escravos obterem – essa planta aparece em qualquer lugar.

LOGUM-EDÉ – é santo só de nação e sua guia é azul e amarela, pois ele é um santo que é metade Oxóssi e metade Oxum. Do amarelo facilmente se percebe a razão: ser Oxum. Azul se deve a ele ser um santo de Keto: verificamos que antigamente, em alguns terreiros dessa nação, Oxóssi era representado pela cor azul-clara, e a guia de Logum-Édé continuou com essa cor para lembrar Oxóssi até a data de hoje.

OXUMARÉ – também é um santo de nação, e encontramos para representa-lo o verde e amarelo porque ele representa a cobra e o arco-íris, e essas cores lembram o mar e o rio respectivamente. Notamos também o preto e amarelo, que são, aliás, cores comuns na cobra.

OSSÃIM – encontramos o verde-claro e miçangas listradas de verde e branco, lembramos as folhagens que ela representa.

NANÃ – normalmente usado o lilás, tanto na umbanda quanto no candomblé. Esta cor é usada para este orixá lembrando a dor e a resignação e também porque é o orixá feminino mais velho.

OBALUAIÊ – na maioria dos terreiros de umbanda e em alguns candomblés verificamos o preto e o branco. Lembra-se que ele é o dono do cemitério, onde está os mortos, que vivem nas trevas, e daí o preto; o branco, por ser ele o orixá que vem logo abaixo de Oxalá. Encontramos em alguns candomblés o vermelho ligado ao preto e branco, devido ao fato de quem manda no cemitério, do portão ao cruzeiro, ser Iansã que, como já vimos, é vermelha na cor de nação. Encontramos também a guia feita de palha da Costa, trançada, com uma ou duas “vassourinhas” dependendo da nação e da finalidade dessa guia. A palha da Costa representa a palha com que ele se cobria quando andava aqui na Terra, porque, sendo leproso, não podia usar roupa comum. Verificamos também, em algumas umbandas brancas, guia preta.

OXALÁ – tanto na umbanda quanto no candomblé é usado o branco leitoso, por ser o orixá maior, pai de todos, e o branco representa a paz, a pureza, o amor e perdão que ele irradia. Em alguns terreiros vemos o roxo para representá-lo lembrando do sofrimento de Cristo, e mais uma vez podemos verificar bem o sincretismo, pois devemos lembrar que o roxo é a cor usada pela Igreja durante a Páscoa e a Paixão de Cristo.