Ogum

O temperamental senhor da guerra

Orixá do ferro e da guerra, Ogum é um dos deuses africanos mais conhecidos entre nós, através de sua sincretização com São Jorge, as lendas a seu respeito falam de um terrível guerreiro, sempre envolvido em batalhas para aumentar seus domínios, impetuosos e justiceiros, eleva acima de tudo o conceito de honra. Estereotipicamente, portanto, Ogum tem inúmeros pontos de contato com o modelo de herói que o cinema norte-americano glorificou.

Ogum, com o personagem histórico, é apontado coo o filho mais velho de Odudua, o fundador de Ifé (cidade da Nigéria, considerada a capital religiosas dos iorubas). Segundo essa linha de pesquisa, era um homem extremamente belicoso, cuja principal função era a de chefiar o exército de sua cidade-estado em costumeiras invasões aos reinos vizinhos, saqueando os Estados derrotados e ampliando a área de poder de sua linhagem.

Por isso, Ogum é o orixá da guerra, do combate e da competição. Um dos sincretismos mais óbvios que aconteceram a partir dessa imagem é a associação entre ele e São Jorge, o santo guerreiro do cristianismo. É, portanto, o protetor dos militares e dos combates em geral. Por extensão, é o orixá dos que produzem as armas de guerra, os ferreiros. Identificam-se basicamente com o ferro, tanto pela importância marcial do metal na construção de armas como também por ser o temperamento determinado, duro e vigoroso de Ogum, facilmente comparado á inflexibilidade e indestrutibilidade (pelo menos, grande capacidade de resistência) do metal.

Atualmente, uma série de outras profissões foi consagrada a Ogum, como barbeiros, marceneiros, carpinteiros, escultores, mecânicos, metalúrgicos, motoristas de automóveis, etc.

Sendo irmão do Exu, Ogum tem muita coisa em comum com ele. Além do caráter instável e arrebatado, Ogum também tem ascendência sobre os caminhos. Se Exu é o dono das encruzilhadas, assumindo a responsabilidade do tráfego, de determinar o que pode e o que não pode passar, Ogum é o dono dos caminhos em si, das ligações que estabelecem entre os diferentes locais. Assim, uma das características arquetípicas atribuídas aos filhos de Ogum é o gosto pelas viagens, pelas mudanças, pelo “correr o mundo”, tendo dificuldade para se estabelecer de maneira gregária em algum lugar.

Reforçando este aspecto, Ogum não era uma figura que se preocupasse com a administração do reino de seu pai. Apesar de tê-lo substituído em ocasiões de necessidade, toda a ação de Ogum, era a de expandir o território, conquistar e saquear, deixando a seus subordinados e filhos a direção destes novos territórios.

Os lugares consagrados a este orixá são todos ao ar livro. Por tradição, é um orixá bastante respeitado. Falar algo em nome de Ogum concede uma grande firmeza á afirmação, envolve um conceito de honra inabalável a garantir a veracidade do fato, algo comparável ao “jurar por Deus” dos católicos.

Na Umbanda, também são creditados a Ogum as demandas judiciais. Já o candomblé mais tradicional separa essa função para o domínio de Xangô. Para Ogum, a justiça, a verdade, a retidão são importantes. Mas sua ocupação não é determinar o que é certo ou errado, e sim apenas fazer prevalecer o que julga certo. É, consequentemente, justiceiro, mas sem a gravidade mais contida de Xangô nem sua autoridade quase que legal. Ao contrário, Ogum é o quem faz justiça com as próprias mãos, empreendedor e decidido, jamais deixando para outro o que julga ser problema seu.

Uma cólera transcendente

Essa impetuosidade e autoridade é a razão primordial que faz Ogum ser o primeiro orixá saudade logo depois que Exu é despachado. Segundo Verger, “quando Ogum se manifesta no corpo em transe de seus iniciados, dança com ar marcial, agitando sua espada e procurando um adversário para golpear, é então, saudado com gritos de “Ogum Iêê (Olá Ogum)”, é sempre Ogum quem desfila na frente, abrindo caminho para os outros orixás quando eles entram no barracão nos dias de festa, manifestados e vestidos com suas roupas simbólicas”.

O caráter temperamental e dramático de Ogum pode ser sentido na maior parte das lendas a seu respeito. Uma das mais conhecidas se refere ao fato de ele ter conquistado a cidade de Irê e ter colocado na chefia de governo um filho seu. Após muitas outras campanhas militares, Ogum terminou por retornar aquela cidade. As explicações sobre a razão do mal entendido que aconteceu depois são diversas. Algumas dizem que Ogum se encolerizou por não ser reconhecido. Outras contam que naquele dia, por fatal coincidência, acontecia uma cerimônia onde a ninguém era permitido falar, o que possibilitara a Ogum a impressão que não o haviam reconhecido. Ainda existem referências a possibilidade de que Ogum não teria reconhecido a cidade que um dia conquistara, tratando a seus ocupantes, então, como inimigos.

De qualquer forma, após matar alguns habitantes de Irê, Ogum percebeu o erro que sua cólera provocara. Mais uma vez, foi assolado pelas frequentes crises de arrependimento que sobrevinham a furiosa explosão de seu temperamento. Desencantado co sua própria violência, Ogum chegou a conclusão de que não deveria mais viver. Baixou então a ponta de sua espada em direção ao chão e, da mesma maneira que a utilizara para destruir inimigos, destruiu a si mesmo, criando um grande buraco no chão e afundando por ele terra adentro. Teria sido essa grande e transcendente emoção que transformou o rei guerreiro num orixá – um ato impetuoso em que tentava se castigar pela própria impetuosidade.

Pierre Verger ainda assinala que “antes de desaparecer (…) ele pronunciou algumas palavras, A essas palavras, ditas durante uma batalha, Ogum aparece imediatamente em socorro daquele que o evocou, porém, elas não podem ser usadas em outras circunstâncias, pois se, não encontra inimigos diante de si, é sobre o imprudente que Ogum se lançará”.

O “tipo Ogum” é, portanto, violento, impulsivo e dado às brigas. Tem um grave conceito de honra, sendo incapaz de perdoar as ofensas sérias de que é vítima. Os filhos de Ogum são conquistadores, incapazes de se fixar num mesmo lugar, apreciadores das novidades, das viagens imprevistas, rumo ao desconhecido. Pessoas curiosas e resistentes tem grande capacidade de se concentrar num objetivo a ser conquistado. São persistentes e pouquíssima coisa é capaz de fazê-las desistir das metas que se impuseram. A coragem é muito grande, a franqueza absoluta, beirando a arrogância. Por outro lado, quando não presas pelos frequentes acessos de raiva, são associados ao arquétipo de camaradagem masculina, relaxada e sincera – o estereótipo do companheirismo entre combatentes de guerra, amigos inseparáveis do exército. Essa imagem é muito frequente na cultura americana, produto de um país igualmente expansionista, cuja “personalidade-padrão” (se podemos dizer que isso existia) se aproxima um pouco da tradição belicista-despojada deste orixá, opondo-se a cultura mais elegante e aristocrática da Europa, talvez mais facilmente identificável com orixás mais vaidosos e formais como Oxum e Xangô. A competitividade de Ogum também se aproxima de certos estereótipos ligados a sociedade capitalista de consumo. É um líder nato, que costuma assumir facilmente o controle das equipes onde está envolvido.

Em termos físicos, o filho de Ogum tende a ser esguio musculoso e atlético. Tem grande energia nervosa, que precisa ser descarregada em esportes ou qualquer outro tipo de atividade físico,caso contrário, verá essa mesma energia contribuindo para aumentar a instabilidade já bem grande de seu humor. As roupas escolhidas por essas pessoas são simples, confortáveis, absolutamente práticas e duráveis. Não deixa de ser uma curiosa coincidência o fato de o jeans ser (na sua forma mais comercializada) azul-escuro, a cor de Ogum.

Alguns hábitos da geração dos anos 60, além da massificação do jeans, também a aproximam deste orixá, o desapego aos bens materiais, a falta de um local fixo de moradia, a fácil adaptabilidade a qualquer lugar, a capacidade de comer frugalmente qualquer coisa, sem grande preocupações de paladar.

Seguindo essa tradição de correspondências, a vida sexual dos filhos de Ogum tende a ser muito variada, sem grandes ligações perenes, mais sim superficiais e rápidas, típicas do viajante que nunca se fixa em lugar algum nem a qualquer pessoa. Por outro lado, sua energia sexual é muito grande. Nas lendas, Ogum é relacionado a diversos orixás femininos, mas a ligação mais citada é a que manteve com Iansã, até que ela o abandonou por Xangô.

Este arquétipo psicológico é frequentemente encontrado na literatura e no cinema. Ogum, neste sentido, é o herói por excelência, desprendido, corajoso e empreendedor, seco e implacável com os inimigos, calado e inacessível em alguns momentos, amigo e camarada em outros quando co os amigos. Pode ser encontrado na maioria dos westerns, onde o herói é um homem sem passado conhecido que chega a uma cidade, liberta-a dos malfeitores, provoca o desejo e o amor nas mulheres, se relaciona sexualmente com elas e no final parte, novamente sozinho, em busca de mais um combate. Os heróis das estórias de espionagem também podem ser incluídos nessa espécie de lista. Um personagem de Dostoievski que se encaixa adequadamente a este protótipo é Dimitri Karamazov, que não conseguia ficar vivendo harmoniosamente na casa onde habitavam pai e irmãos, entrando em frequentes choques com eles pela sua energia, determinação e imprevisibilidade. Precisava de um combate para se sentir vivo. Jogou-se inteiro na disputa pelo amor de Grushenka. Era militar, mais frequentemente tinha problemas com os superiores, pois sua natureza era marcial, mais livre demais para se adaptar as estritas regras caserna.

Nome: Ogum

Filiação: Oranhiã (ou Odudua) e Yemanjá

Elemento: ferro

Domínio: caminhos/guerra

Cores: azul-escuro (na Umbanda, também vermelho e branco)

Saudação: Ogunhê!

Comidas: inhame assado, feijão-fradinho, feijão-preto, acarajé.

Sacrifício: cachorro (na África), galo (no Brasil)

Dia: terça-feira

Sincretismo: Santo Antônio (Bahia), São Jorge (Rio e Porto Alegre)