OBALUAIÊ
O RESPEITADO E TEMIDO
Deus originário do Daomé, Obaluaiê (também conhecido como Omolu, sua forma velha) detém o poder sobre a doença, tanto para causá-la como para curá-la. É uma entidade sombria, tida entre os iorubanos como ameaçadora e temível caso não seja devidamente cultuada, arquetipicamente, lega a seus filhos tendências ao masoquismo e a autopunição, um austero código de conduta e possíveis problemas com os membros inferiores.
Omolu (ou Omulu) e Obaluaiê são formas diferentes pelas quais é nomeado um mesmo orixá, cujos mitos e a própria figura são cercados de algum mistério. Em certos textos se encontram referencias a Omolu como uma forma velha, assim como Obaluaiê é a forma jovem, de uma divindade conhecida como Xampanã, tão cercada de tabus que a simples menção do seu nome envolve risco. A este deus “primeiro” estariam submetidas todas as doenças, cabendo a sua forma especifica de Omolu o poder e a responsabilidade de enviar as doenças endêmicas a terra para castigar os que tivessem infringido normas muito sérias de comportamento.
Como não há unanimidade quanto a este conceito, a ideia que acabou por ser mais popularizada é a que estabelece a Obaluaiê o poder da doença, tanto de causá-la como de curá-la. Em algumas interpretações mais restritivas, Obaluaiê seria o “deus da varíola”.
Roger Bastide encontra uma explicação mais abrangente para ele: assim como os outros orixás representam forças da natureza ou atividades social-produtivas dos homens, Obaluaiê seria o registro da passagem de doenças epidêmicas, “castigos sociais”, já que atacariam toda uma comunidade de uma vez. Tal caráter de ameaça é que associa certa aura de terror á figura desse orixá.
Sua origem, assim como Oxumarê e Nanã, está na cultura daomeana. Segundo algumas versões, estes três orixás teriam sidos assimilados pelo povo ioruba num lento processo de miscigenação de culturas. Pierre Verger, porém, encontra num mito a explicação para uma assimilação difícil, provocada pelo choque de dois povos. “A antiguidade dos cultos de Obaluaiê e Nanã Buruku (orixá feminino, também de origem daomeana),frequentemente confundidos em certas partes da África, é indicada por um detalhe do ritual dos sacrifícios de animais que lhes são feitos. Este ritual é realizado sem o emprego de instrumentos de ferro, indicando que essas duas divindades faziam parte de uma civilização anterior a Idade do Ferro e a chegada de Ogum (que veio com Odudua)”, já que algumas versões históricas atribuem a Odudua não a fundação da cidade de Ifé mas sua conquista. Obaluaiê, então, já estaria habitando a região, ou seja, faria parte de um culto especifico de uma nação que foi dominada por outra.
Portanto, parte do caráter sombrio assimilado pela figura de Obaluaiê poderia ser o resquício de temor de um povo, com uma série de cultos e divindades que, assimilando e dominando a outro, através de um comportamento imperialista de dominação, passaria a temer a revolta do povo subjugado. Como parte desse temor, aconteceria a “malignação” de um orixá ligado aos dominados que não encontraria exato correspondente na cultura dominante, já que Ossâim, apesar de dono das folhas e dos remédios, possui o caráter punitivo de “criador” da doença, mas apenas de seu “reparador” além de suas funções litúrgicas já descritas em artigo anterior.
Uma versão que pode funcionar como reação a esse temor diz que Obaluaiê foi abandonado por sua mãe, Nanã (por razões que variam de acordo com a estória). Na ocasião, estaria doente, marcado pela varíola e muito debilitado. Quem o recolheu e o curou foi Yemanjá, a mãe dos orixás iorubas, o que marcaria uma assimilação concessiva da cultura dominante sobre a cultura dominada.
De qualquer maneira, o sombrio Obaluaiê permanece em sua dança nas cerimônias rituais, quando surge vestidos com amplas vestes feitas de palha, que encobrem praticamente todo o seu corpo e especialmente seu rosto. O movimento de seus filhos-de-santo na dança se assemelha a uma pessoa que atravessa sofrimentos terríveis, com tremores febris, convulsões e outros sintomas de fraqueza e doença. Essa imagem de pouca saúde talvez seja a responsável pela grande lista de proibições alimentares ligadas ao orixá: carne de carneiro, caranguejos e peixes de água doce em geral, afora diversas frutas.
Por todas essas características, diversos pais-de-santo apontam os filhos de Obaluaiê como pessoas que possuem rostos estranhos. Por ser ele um orixá arquetipicamente velho em idade, seus filhos tenderiam a aparentar um pouco mais de idade do que de fato possuem. Seu caráter grave auxiliaria a formação dessa imagem.
Em algumas lendas, Obaluaiê é apresentado como um orixá que perdeu uma perna. Isso se refletiria em seus filhos como um defeito congênito em uma das pernas ou a tendência a que, durante sua vida, sofra por um problema de relativa gravidade em seus membros inferiores, a partir de quedas ou desastres, que podem ou não serem curados e ultrapassados.
Ao senhor da doença é relacionado um arquétipo psicológico derivado de sua postura na dança: se nela Obaluaiê esconde dos espectadores suas chagas no rosto e na pele em geral, não deixa de mostrar, pelos sofrimentos implícitos na sua postura, a desgraça que o abate. No comportamento do dia-a-dia, tal tendência se revelaria através de um caráter masoquista, compondo aquele tipo bastante encontrado nas comédias de Moliére dos que costumam exagerar seus sofrimentos ao externá-los para as pessoas em geral. Verger define os filhos de Obaluaiê como “pessoas que são incapazes de se sentirem satisfeitas quando a vida lhes corre tranquila”. Podem atingir situações materiais invejáveis e rejeitar, um belo dia, todas essas vantagens por causa de certos escrúpulos imaginários. “Pessoas que em certos casos sentem-se capazes de se consagrar ao bem-estar dos outros, fazendo completa abstração de seus próprios interesses e necessidades vitais.”
No candomblé tal interpretação pode ser por demais restritivas. A marca mais forte de Obaluaiê não é a exibição de seu sofrimento, mas o sofrimento em si. Ele se revelaria numa tendência autopunitiva muito forte, que pode tanto se revelar como grande capacidade de somatização de problemas psicológicos em formas de doenças físicas como elaboração de rígidos conceitos de moral que afastam seus filhos-de-santo do dia-a-dia, das outras pessoas em geral e dos prazeres. Sua insatisfação básica, portanto, não se reservaria contra a vida, mas sim contra si próprio, uma vez que foi estigmatizado pela marca da doença, já em si uma punição.
Assim como Ossâim, as pessoas desse tipo seriam basicamente solitárias. Mesmo tendo um grande círculo de amizades, seu comportamento seria intimamente fechado, mantendo seu relacionamento superficial com o mundo e guardando sua intimidade para si próprias. Não raro, são indivíduos que julgam ter em si caracteres detestáveis, que não devem ser mostrados, pois seriam vergonhosos. Como a palha cobre suas chagas e lhe empresta um caráter tenebroso, o filho desse orixá ocultaria sua individualidade com uma mascara de austeridade e até certa aura de respeito e de imposição de certo medo aos outros.
Pela experiência inerente a um orixá velho, são pessoas bastante irônicas. Seus comentários, porem, não são prolixos e superficiais como os de Oxum (outro orixá irônico), mas secos e diretos, o que colabora para a imagem que forma de si próprio de “temível”, da mesma forma, o orixá deve ser muito bem cuidado e respeitado nos cultos, senão poderia se enfurecer e distribuir doenças mortais.
Nome: Obaluaiê ou Omolu (Xampanã)
Filiação: Nanã e Oxalá
Elemento: doença
Atividade: cura
Cores: branco, preto (e marrom em alguns lugares)
Comida: pipoca sem sal, lapitá, aberém
Sacrifício: bode, porco e galo
Saudação: Atotô!
Dia: segunda-feira
Sincretismo: São Lázaro